domingo, 22 de abril de 2012

O Rei do Cangaço





         Antônio Adriano de Medeiros
O pobre cangaceiro Lampião é uma alma penada: no cordel tradicional, ele é constantemente expulso tanto do Inferno, como do Céu, como do Purgatório; onde o coitado vai, tem confusão, tem briga, dizem os cordelistas "clássicos".  Apesar de existir um coco de improviso intitulado "Futebol no Inferno", onde se enfrentam "o quadro de Satanás e aquele de Lampião", no cordel clássico, o pobre cangaceiro degolado ao lado da musa Maria Bonita vaga perdido no caos etéreo após a morte. O presente cordel tem a finalidade de tratar o Rei do Cangaço com o devido respeito,  e enfim dar um descanso poético à alma do Rei do Cangaço e de sua musa, Maria tão Bonita.


Usei 'Missário por "emissário", pra facilitar a métrica;  por tratar-se um emissário de um deus, a maiúscula é necessária, daí a palavra "'Missário", que cai muito bem, por sinal. Há menção ao Livro Capa Preta de São Cipriano, que também merece maiúsculas. É lembrado o fato de Lampião ter sido "promovido" a Capitão do Exército Brasileiro quando se precisou combater os perigosos comunistas da Coluna Prestes; o cangaceiro recebeu as armas por intermédio do Padre Cícero do Juazeiro, mas nem bem saiu do Juazeiro do Padim Ciço preferiu continuar um bandoleiro bem armado. "Pabo" é pronúncia popular para "pábulo", usado pra permitir uma rima.


Não quero criticar os cordelistas de qualidade, como Leandro Gomes de Barros, Chico das Chagas, Camelo, e outros que existem, mas acho que quem escreveu sobre Lampião não foi muito feliz tratando o Rei daquela forma acintosa...


Menciono pois duas expulsões históricas de Lampião, uma do Inferno:




"A Chegada de Lampião no Inferno

(José Pacheco)

Um cabra de Lampião
por nome Pilão Deitado
que morreu numa trincheira
um certo tempo passado
agora pelo sertão
anda correndo visão
fazendo malassombrado.

E foi quem trouxe a notícia
que viu Lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar...."


E também cito uma expulsão do cangaceiro-mor do assim chamado Céu, essa um cordel de dez versos de sete sílabas, um dos mais belos que já ouvi, gravado no meio da rua da minha querida cidade de Patos, cidade da Peleja fundadora de todas as pelejas, aquela de Ignácio da Catingueira e Romano de Mãe d'Água, ocorrida em 1870, ali no sertão paraibano das Espinharas, onde também nascem rosas raras. Ouvi-o numa gravação dos Discos Marcus Pereira, e infelizmente não me recordo  de nehuma décima inteira, nem do autor, só de detalhes, como São Pedro deseperado gritando pra outro santo se armar do jeito que pode: "gritando pegue uma estaca, arranque um pau do chiqueiro"; a idéia de um chiqueiro celestial é fantástica, porque ali galinhas seriam divinas... Há também uma hora em que Lampião manda chamar Jesus e a Santa Maria é que vem, mas ela manda a Virgem voltar, pois não veio falar com moleca de recado, e sim com O Dono do Negócio (dei uma enfeitada aí, os termos são mais leves, embora queiram,enfim, significar isso mesmo).


Mas segue, enfim, segue nossa colaboração, ora imodesta por licença poética, em septilhas de sete sílabas, com a pegada da deixa, que é esse negócio de começar sempre uma estrofe rimando o primeiro verso com o derradeiro da estrofe anterior:




A VERDADEIRA CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO


Antônio Adriano de Medeiros

Uns dizem que no Inferno

quando chegou Lampião

houve uma briga danada

- terrível recepção:

diabos armados de tora

ousaram botar pra fora

quem foi terror do sertão!



Mas quem bem conhece o Cão

sabe-o muito inteligente:

pra cumprir sua missão

ele é muito diligente,

e, como gosta do ócio,

ao ver chegar um sócio

ele ficou foi contente...



Quem conhece o meu repente

sabe-o sempre baseado

n'alguma prova concreta

- não faço nada inventado! -

Pois agora vou contar

como pude m'inteirar

do que aqui é narrado.



Eu estava no roçado

cuidando da plantação,

encontrei uma mandrágora,

cavei mais fundo no chão;

logo uma luz se acende

e aparece um duende

que era 'Missário do Cão.



Me ofereceu a mão

dizendo:"- "Não tenha medo!

Cá não vai chegar ninguém,

pois ainda é muito cedo.

Pai me mandou lhe falar

pra você desmascarar

a todo falso aedo."



Comecei rezar o Credo,

duende ruborizou.

Eu senti pena do pobre

que tão contente chegou...

Qual amigo que se preza

interrompi minha reza,

e o 'Missário falou:



- "Meu Papai só me mandou

para vossa senhoria

porque sabe que o senhor

gosta de fazer poesia,

e quanto em verso labuta

não faz qual gente matuta

que só canta porcaria..."



Defendi a cantoria

do poeta popular

que escreve para o povo

que tem curvo o seu pensar:

quem não foi em boa escola

não faz bons versos, esmola

preconceitos pra rimar.



Vi duende se alegrar

e me propor um bom trato:

ele iria me contar

o que ocorreu de fato

quando o grande Lampião

chegou na terra do Cão,

pra qu'eu fizesse o relato.



Eu disse ser muito grato

com tamanha distinção,

e prestei um juramento

pondo a sinistra mão

sobre um Livro Capa Preta

assinado por Capeta,

rubrica de Ciprião.



Vi dizer que Lampião

quando chegou no Inferno,

o Chefe foi recebê-lo

trajando elegante terno.

Abraçou-o Satanás,

nomeando-o capataz

- um cargo nobre, eterno!



Com tal abraço fraterno

quatro dentes de Vampiro

nasceram em Lampião,

e ouviu-se um grande tiro.

Quand'o Diabo se cortou

Lampião o imitou:

- "Tu te feres, eu me firo!"



E cada um deu um giro,

o sangue se misturou,

e com o tal ritual

um pacto se celebrou.

Ao receber um tridente

com a ponta incandescente,

Capitão se animou.



Satanás assim falou:

- "Tu és um Mestre do Mal!

Por isso que te promovo

agora a Marechal.

Tu terás autoridade

para perpetrar maldade

por todo o reino infernal.



E para que, afinal,

tenha a obra seu acabo,

eis que o Rei do Cangaço

ganhou um vistoso rabo.

E, ao vê-lo transformado,

diz Satã, emocionado:

- "Estás um perfeito diabo!"



Lampião quis ficar pabo,

porém se decepcionou:

passand'a mão na cabeça,

lá chifres não encontrou.

Se zanga o Rei do Cangaço:

- "Não me faça de palhaço:

quem os meus chifres roubou?"



Satanás então chamou

pra si Maria Bonita,

dizendo: - "Eu essa noite

vou dormir com a Maldita.

Logo os chifres aparecem:

uma polegada crescem

toda vez que ela grita".



Maria quis fazer fita

ensaiando protestar,

mas Satã disse pra ela:

- "Não há de que reclamar:

pra te saciar, mulher,

Belzebu e Pau-em-pé

também vão participar".



Os dois foram passear,

e eis que logo anoitece.

Lampião vai-se deitar;

tenta, mas não adormece.

E, nem bem passa uma hora,

obra a graça a tal senhora:

par de chifres aparece.



E quando o dia amanhece,

ainda de madrugada,

Lampião mede seus chifres:

dezessete polegada!

Mais tarde chega Maria

que iguais chifres trazia,

e também fora enrabada.



Tornou-se diaba danada

com muito contentamento.

Satisfez à Vil Trindade

que, por agradecimento

a ela e ao compadre,

nomeou Maria madre

para gerir o convento.



Ali se presta tormento

aos pastores e freiras

que quando estavam vivos

fizeram suas besteiras;

e a quem, na Inquisição,

inventou acusação,

mandou gente pras fogueiras.



De Lampião nas fileiras

ardem os vis coronéis:

os políticos do Nordeste

e seus capangas fiéis;

e, chamadas "mariposas",

suas filhas e esposas,

ladras de muitos mil réis.



E quem escreveu cordéis

dizendo que Lampião

ao chegar no Inferno

travou briga com o Cão,

pode ir-se preparando:

ele o está esperando

com o tridente na mão!



Eu não sou de invenção,

só conto o que foi contado

por um duende que viu

tudo que foi relatado.

A quem veio até aqui,

só resta me despedir,

e dizer: "Muito obrigado!"


         Antônio Adriano de Medeiros

5 comentários:

  1. Seja bem vindo Adriano. Brilhante estréia!
    anamerij

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  2. This article helps me a lot. Nice work!

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  3. Espectacular poema, meu amigo!

    Muitos abraços!

    Jorge

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  4. Muito boa estréia e sabendo do grande conhecimento dele sobre o Sertão, aguardo novas colunas ricas como esta inicial.

    abraços

    Oswaldo

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  5. Nossa, que presentão de feriado!Parabéns, Adriano! parabéns Literacia!
    Belvedere

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